No âmbito do PL7920/17 (o Pl da Queima de Arquivos) é possível verificar as narrativas envolvidas. Parte do grupo que assumiu o poder a partir do impechment de Dilma Roussef (2016) adotou o termo Desmaterialização de Documentos como mantra para justificar uma eliminação selvagem de documentos.

A desmaterialização, na visão deste grupo, é a digitalização dos documentos como forma de acabar com gastos de custeio de guarda de documentos em papel. Para tanto, têm toda a confiança em soluções comerciais capazes de carregar a informação para a gerência do estado, ou seja, o que eles consideram informação.

Tais premissas estão equivocadas radicalmente. Afinal, a desmaterialização dos documentos tão somente trata da criação de um representante digital de um documento original. Ao alterar o Art. 2 da Lei º 12.682, o PL 7920 iguala duas entidades diferentes: informação e documento. Ela diz que o “documento digitalizado” terá o mesmo valor legal do documento não digital que lhe deu origem para todos os fins de direito. Sabemos que uma digitalização é informação, mas isto não é documento.

Um documento atesta, é a verdade expressa, sendo o resultado de uma ação realizada em um contexto que usou ou gerou este documento. Já a informação é estruturação de dados e que podem representar uma modificação (quantitativa ou qualitativa) no conhecimento de um sistema ou pessoas. O projeto iguala a informação arquivística, ancorada na representação digital de um documento, com a capacidade de substituir ao original.

Sabemos que o modelo arquivístico nacional elaborado pelo CONARQ (Conselho Nacional de Arquivos), composto por sistema de gestão (Sigad — sistema informacional de gestão de documentos — ou ECM arquivístico) integrado ao sistema de preservação e custódia definitiva (repositório digital confiável — RDC-Arq), possibilita a separação da informação da estrutura do documento. Tudo seguindo as diretivas do modelo internacional OAIS (estabelecido pela ISO 14721:2012). Portanto o Brasil, do ponto de vista metodológico, está harmonizado com o que há de mais indicado para a gestão documental internacional.

Por este modelo o documento original e autêntico (com seus metadados completos) está preservado no “storage” do repositório digital, onde são armazenados os pacotes de arquivamento de informação, conforme o modelo OAIS (Open Archival Information System). O modelo OAIS aplicado nos RDC-Arq, usa o modelo BagIt para criar os pacotes informacionais, que são utilizados pela gestão da preservação digital. Ele possui três componentes: os pacotes de submissão, os pacotes de arquivamento e os pacotes de difusão.

Então na prática a área arquivística já cria a figura do pacote de difusão de informação (PDI), para que seja a informação arquivística a ser acessada em qualquer ambiente gerencial que precise consumir esta informação para a tomada de decisão. Isso é a chamada desmaterialização, diferente da concepção da nova maioria governamental. Com este padrão, são custodiados os documentos que precisam cumprir o seu prazo de guarda legal, são documentos digitais de longo prazo, num repositório seguro. Ao mesmo tempo, continuamente fornece acesso em tempo real à informações para a tomada de decisão. Certos documentos, por questão de direito tem prazo de temporalidade alongados, como por exemplo o prontuário de funcionário que tem um prazo de guarda de 101 anos.

Assim, a desmaterialização proposta pelo atual governo brasileiro é uma visão simplória, onde definem que a informação arquivística passa a ter o mesmo valor que o documento autêntico. Este tipo de valoração não se dá por decreto. Documentos autênticos precisam de fixidez e identidade. A autenticidade é composta por estes elementos: identidade e integridade. A Identidade o caracteriza como documento único e o diferenciam de outros documentos arquivísticos seja por diferença na data, autor, destinatário, assunto, número identificador, número de protocolo ou outras informações específicas. A Integridade é a mensagem que explica o que levou à sua produção, de maneira a atingir seus objetivos. As duas são constatadas à luz do contexto no qual o documento arquivístico foi produzido e usado ao longo do tempo.

Contra essa visão estreita surge a necessidade de ressaltar nosso modelo, onde a gestão dos documentos arquivísticos está num ambiente que mantém uma cadeia de custódia para um ambiente de preservação, que fornece informação para um ambiente de acesso. Tal modelo está preparado para suportar novos processos e fluxos de trabalho, gerando novos documentos natodigitais, com a integridades de metadados que concedem a mesma autenticidade de documentos em suporte de papel.

Assim, um documento desmaterializado (digitalizado) não tem a mesma características que um documento autêntico. No entanto, os documentos natodigitais, estes possuem as mesmas características, capazes de fornecerem os elementos para a garantia de autenticidade documental. Nossa transformação digital será essa: criar ambientes confiáveis, mantendo a cadeia de custódia, possibilitando para a criação, gestão e preservação de documentos arquivísticos natodigitais e promover acesso à informação nos ambientes de difusão.

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Contra a Desmaterialização de documentos: a Transformação Digital
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